Demografia Médica
Demografia Médica é um relatório anual, produzido em conjunto pelo Ministério da Saúde, a Universidade de São Paulo, e a Associação Médica Brasileira. Você pode acessar clicando aqui.
A edição de 2025 é explícita em seu foco: a explosão de cursos de medicina associado ao crescimento exponencial de médicos recém-formados, associado à desvalorização da profissão.
Faculdades de medicina
3x mais faculdades — Em 2004, eram ~143 faculdades de medicina no Brasil. Hoje, são 448, o que representa um aumento de 3x.
Medicina não é um curso concorrido — Para além das novas faculdades, as faculdades existentes ampliaram o número de vagas. O que nos leva ao número de 48.491 vagas de medicina por ano, e a queda de ~100 candidatos por vaga para < 18!
Ainda não estabilizou e deve aumentar — Há possibilidade para até mais 272 faculdades — considerando as 95 previstas em edital Mais Médicos de 2023 e de 177 pedidos judiciais que tramitavam no MEC em 2024 — o que nos levaria para 720 faculdades totais (!!!).
Não suficiente, também há ~90 processos no MEC para ampliação do número de vagas em faculdades existentes — ou seja, ~1/4 das faculdades atuais quer aumentar número de vagas. Não necessariamente tudo isso vai se manifestar, mas mostra que há uma dinâmica no sentido de ainda aumentar.
Profissão médica para os seus pais
Você provavelmente entrou na medicina influenciado pela visão que seus pais e a sociedade por muito tempo tiveram da profissão.
Em 1980, havia 100 mil médicos no país — 1.000 habitantes por médico — e os profissionais ganhavam em dólar, livres do plano real.
Nos anos 2000, a população de médico dobrou para 200 mil, a densidade caiu para 850 habitantes por médico, e podemos encontrar publicações nos CRMs e até papers discutindo a piora da remuneração médica.
Hoje, em 2025, somos 635 mil médicos, a uma razão de 334 habitantes por médico. E, o que aconteceu com a remuneração?
Embora atualmente um plantão de generalista pague aproximadamente o mesmo que em 2004, corrigindo pela inflação tanto pelo IGPM quanto pelo IPCA, há sinais de uma pequena queda. Além disso, só é verdade quando usamos os bons plantões, de R$ 1.500, que se tornam cada vez mais escassos.
Medicina é mal remunerada?
Medicina (ainda) não é uma profissão mal remunerada, nem mesmo ao nível do recém-formado. Mas não porque o valor da sua hora é significativo, e sim porque você pode trabalhar muitas horas.
Um plantão de 12h por R$ 1.500 equivale a ~R$ 125/hora. Se você considerar isso para 45 horas semanais, são R$ 22 mil por mês, que é um salário expressivo para alguém que acabou de sair da faculdade — você dificilmente terá colegas de outras profissões ganhando isso.
Porém, você precisa considerar que:
A depender do local, existe até 2h de deslocamento até o plantão, e custos de alimentação, gasolina, etc
Os plantões estão perceptivelmente mais concorridos. Embora o valor médio ainda seja R$ 1.500, é cada vez mais difícil garantir o plantão, e o número de plantões no mês.
Você não tem vínculo significativo, e pode ser retirado da escala e substituído por outro médico facilmente.
Não é só isso. Em alguns locais:
A gestão médica pode exigir atendimento o mais rápido possível, e/ou faltar recursos apropriados
A população atendida pode ser desde muito demandante até francamente hostil, vide os relatos frequentes de agressão física contra médicos
Há a chance de algum político maluco vir te perturbar para ganhar atenção
Só vai piorar
Anualmente, formam-se ~40 mil médicos. A projeção é que iremos dos 635 mil atuais para ~1 milhão de médicos em 2035. Previsões econômicas fogem ao escopo desse texto, mas é razoável esperar que tudo fique mais concorrido e difícil, particularmente para o médico recém-formado.
A jornada da profissão deve tornar-se mais longa, e possivelmente convergiremos na realidade onde, não por questões de lei, mas sim de economia, só exerça medicina quem tem residência — “RQE é o novo CRM”.
E isso pode ser mais expressivo, particularmente nos grandes centros, onde a concentração de médicos é maior, e especialmente no Sul, Sudeste, e Centro-Oeste, onde há maior número de faculdades de medicina.

E as vagas de residência?
Há uma defasagem em relação ao número de formados em úmero de vagas de residência médica — Em 2024, existiam ~16 mil vagas de programas de residência médica de acesso direto (R1).
Lembre-se formam-se 37 mil médicos por ano. Por si só implica que para cada duas pessoas, uma não tem vaga. Mas é muito pior, pois:
Os alunos que se formaram nos anos anteriores e não prestaram ou não passaram também competem por vagas
Existem ~244 mil médicos sem residência, passíveis de prestar prova todo ano, o que se tornará uma pressão crescente
Muitas das vagas não é interessante e 20% delas simplesmente não são ocupadas
O número de vagas de residência cresce devagar, e a defasagem é crescente — O número de vagas de residência está crescendo, mas de modo muito mais devagar que o número de médicos recém-formados por ano.
E a defasagem é ainda mais drástica se você considerar o acumulado crescente de formados em anos anteriores que não entraram na residência, algo que o gráfico abaixo não registra.
Por fim, dado interessante, ~50% dos médicos residentes iniciou o programa logo após a graduação, mas os outros ~50% estão há um ou mais anos prestando — seja porque não passaram ou porque fizeram a opção de trabalhar no período.
Uma vaga para você x a vaga que você quer — A defasagem entre o número de vagas e o número de médicos assusta. Mas é ainda pior se você considerar que a maioria compete por uma minoria das vagas nas instituições de maior “excelência e renome”.
Pós-graduação não será a solução — Em Janeiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal deu entendimento que apenas programas de residência credenciamos são aceitos para registro de especialidade médica. Pós-graduação não confere RQE. Isso pode mudar no futuro, mas por ora é a regra. Fazer pós-graduação de clínica médica não te faz clínico e não dá acesso ao R3.
Isso ratifica a orientação do CFM de que pós-graduação na ausência de RQE deve ser anunciada seguida de “NÃO ESPECIALISTA”, em letras maiúsculas mesmo.
Isso pode mudar no futuro, mas, hoje, apostar em pós-graduação é um risco pessoal significativo.
O que você deve fazer a respeito?
A conclusão imediata talvez possa ser ”A vida é uma 💩 e eu quero morrer”. Mas isso é um exagero digno de herois românticos do século 18/19 ou de pessoas que só gostam de reclamar.
A Osler te dá um passo a passo óbvio.
1. Faça residência médica o mais rápido possível — Estude firme durante a graduação, para construir uma base, e seja aprovado o mais precocemente possível. Se você precisa trabalhar, não encane, cada um tem sua trajetória, e lembre que é a realidade de 50% dos ingressantes na residência médica. Mas, enquanto trabalha, não deixe de estudar e se organize para que seja pelo menor tempo possível.
2. Você ganha muito bem, não reclame — Exceção à remuneração durante a residência, que é pífia, médicos ainda estão entre as profissões mais bem remuneradas. Isso pode piorar no futuro, mas será primeiro e de modo mais intenso entre profissionais sem especialidade.
Ainda, existem mil dificuldades na profissão, mas é uma profissão heroica e, se bem exercida, intelectual, onde você poderá impactar vidas diretamente.
3. A vida não está resolvida, seja um profissional sério — Medicina não é um passaporte para uma vida de rico e resolvida. Você precisará se desenvolver profissionalmente, em aspectos técnicos (especialização) e não-técnicos (saber vender-se, interagir com pessoas, entender o mercado, etc). Mas se você é inteligente o suficiente para ter lido até aqui, tenho certeza que vai dar certo.
4. Nunca vire um charlatão — Ozônio é bom na atmosfera, não no ânus. Sim, a tentação de abrir uma clínica de ressonância médica de corpo inteiro é fortíssima, porque as classes socioeconômicas mais privilegiadas adoram essas coisas. Mas não entre nessa.
5. Sua faculdade, seu QI e um cursinho não definem seu futuro — Tem faculdade melhor e pior, quem tem mais ou menos facilidade, e cursinho nenhum estuda por você. No final do dia seu papel é otimizar os estudos, estudar com constância, e fazer a melhor residência possível.
6. Como passar na frente da concorrência? Ter um método de estudos melhor. Usar um material mais aprofundado. E sentar a bunda na cadeira.