Sua missão é entender e decorar fatos
Estudar medicina é entender e decorar fatos — Inclusive, um dos principais estresses durante a graduação médica é a quantidade de coisas a aprender, em pouco tempo, e como evitar que elas sejam esquecidas — seja porque haverá uma prova futura, porque você usará o conhecimento na prática, ou para evitar o dissabor que é aprender para perceber que esqueceu.
Até o aprendizado procedural torna-se mais profundo com fatos — Uma divisão simples permite separar os conhecimentos em factuais (você aprende estudando) e procedurais (você aprende fazendo).
As inserções do bíceps femoral são um conhecimento factual: você só aprenderá após receber, entender, e reter a informação. Porém, muitas coisas na medicina você consegue aprender fazendo.
Pegue um sujeito na rua, faça 100 acessos venosos centrais com ele, e ele provavelmente se tornará excelente em realizá-los. Será um exímio técnico quanto àquele procedimento. Mas oq eu te faz médico é entender que….
A veia jugular interna direita é preferível porque tem trajeto retilíneo de 15cm até a junção cavo-atrial, enquanto a esquerda faz curva no tronco braquiocefálico podendo dobrar o cateter…
A ponta do cateter deve ficar na transição cavo-atrial (nível do 3º espaço intercostal direito) - proximal demais aumenta trombose, distal demais causa arritmias por irritação atrial…
No triângulo de Sedillot, a carótida está medial à veia em 95% dos casos, mas em 5% pode estar anterior ou lateral - variação anatômica que, se desconhecida, pode resultar em punção arterial inadvertida…
E todos os outros >50 fatos associados…
O que separa o médico do técnico em medicina, o que separa genuinamente saber de saber “de orelhada”, é o conhecimento factual que sustenta o procedural.
Decorar vem primeiro
No século 19 e 20, psicólogos e psicopedagogos bem intencionados — Dewey, Piaget, Paulo Freire, Bloom, etc — fizeram todo um movimento contra a memorização. O aluno não é um “recipiente de informação”, e ele deve aprender fazendo, compreendendo, criticando, relacionando. E isso faz sentido, mas a conclusão ao nível do leigo se tornou que “decorar é ruim”, e não poderia estar mais longe da verdade.
Você não consegue pensar e criticar sobre o que não lembra.
Você não consegue entender um tema relacionando-o com outros se você não os decorou — inclusive, quanto mais coisas você tem memorizadas, mais fácil fazer associações e aprender coisas nvoas.
Você não consegue aplicar fatos que não memorizou. É muito mais fácil mensurar a pressão arterial do paciente se você tem todas as nuances memorizadas — inclusive, mais produtivo para o seu aprendizado, porque você reforçará e aplicará os fatos, e refinará o procedimento.
A crítica é que tentar decorar mecanicamente — sem entender, sem relacionar, sem criticar, sem aplicar — é ruim. Mas isso não significa que você não deva decorar e sim que não pode parar aí!
A evidência sobre como decorar é robusta
A psicologia passa por uma crise gravíssima — Em 2015, o Reproducibility Project tentou replicar os estudos clássicos da área e só conseguiu encontrar o achado em 39% deles. Há múltiplos problemas, que incluem:
viés de publicação, onde autores e journals só expõe o que deu resultado, mas estudo nulos, que falsificariam, não
p-hacking, onde os pesquisadores tentam múltiplos testes até encontrar p < 0.05 (lembrando que com 20 comparações, há 64% de chance de algo significativo por acaso)
Muita das coisas que você aprendeu sobre psicologia não existem — Nenhum dos conceitos abaixo existe:
Múltiplas inteligências: onde cada indivíduo tem uma combinação própria de ~8 tipos de inteligência, e o estudo precisa adequar-se a isso. Não foi replicado, e provavelmente você tem o livro do Gardner em casa.
Pirâmide de Aprendizagem: sabe aquela frase “10% do que lemos, 20% do que ouvimos, 30% do que vemos, 50% do que vemos e ouvimos, 70% do que discutimos, 80% do que praticamos, 90% do que ensinamos”? Totalmente falsa, os números foram inventados, e embora existam vestígios de verdade na ideia, não serve para nada.
Estilos de Aprendizagem: onde o aluno tem um estilo preferencial entre visual, auditivo, ou cinestésico. Criou uma industria bilionárioa, mas simplesmente não existe: você pode até preferir algo, mas não significa que é o que funciona melhor para você — guarde essa frase.
Ego depletion, onde a força de vontade é análoga a um músculo, que tem recursos limitados, mas que pode ser treinada. Não existe, era p-hacking grave.
Etc.
Todos esse conceitos são intuitivos, de uma simplicidade sedutora, de uma solução fácil, sustentam soluções comerciais e confundem preferência com eficácia.
Muito sobre método de ensino é robusto, mas você nunca ouviu falar — Existem múltiplos conceitos sobre métodos de estudos que foram demonstrados cientificamente, de maneira robusta, e com efeito significativo. Mas você possivelmente não ouviu falar, e eles mudariam como você estuda medicina.
Vamos discutir eles em artigos individuais, mas os principais são:
Efeito de Teste (Testing Effect): testar-se quanto ao conteúdo (e.g., com flashcards ou questõs) fortalece muito mais a memória do que ler ou assistir aulas
Active Recall: o efeito de teste é ainda mais forte quando você precisa recuperar a informação da memória, sem consultar o material ou ter dicas
Feedback imediato e elaborado: ver a resposta correta logo apos responder um teste, e de modo que explica o porquê e corrige o erro, tanto aumenta a memorização quanto evita a memorização de fatos errados
Prática Intervalada (Interleaving): misturar diferentes assuntos em uma sessão fortalece ainda mais o estudo, ao forçar discriminação e favorecer associação entre conceitos
Repetição espaçada (Spacing Effect): distribuir o estudo ao longo do tempo, com intervalos crescentes, garante retenção de >90% do conteúdo com o mínimo de tempo de estudo
Dificuldade desejada (Desirable difficulty): corrigindo para o tempo de estudo, quanto mais você se esforça — ter que lembrar, lembrar mais vezes, mais rápido, com menos dicas, falar em voz alta, etc —, maior a memorização.
Efeito de Teste (Testing Effect)
Testes classicamente funcionavam para avaliação do aprendizado: você fazia uma prova menos ou mais extensa, imposta pelo seu professor, para você ser avaliado quanto ao que aprendeu ou não.
Porém, a grande provocação da psicologia é que testes, para além de meio de avaliação, são também uma das ferramentas de aprendizado mais eficazes. Ou seja, responder testes é o melhor modo de aprender.
Em parte, porque os testes simulam o que ocorrerá na prática. A prova de residência e a vida real vão te forçar a lembrar, pensar, decidir. Não vão te forçar a assistir uma (vídeo)aula ou a ler e grifar uma apostila.
Existem três principais tipos de testes
Questões de múltipla escolha — Principal método de avaliaçõa do conhecimento por permitirem uma correção rápida e uniforme para todos os alunos, são usadas no vestibular, na faculdade de medicina, e nas provas de residência.
Flashcards — Testes rápidos constituídos por uma pergunta para a qual você deve elaborar uma resposta mentalmente ou falando em voz alta, e depois confrontar com a resposta, e avaliar se acertou ou não.
Free recall — Onde você tenta lembrar tudo que sabe sobre o assunto. É um método extremamente poderoso, mas de difícil aplicação no dia a dia.
Ambos tem seus prós e contras, e faremos uma comparação entre eles em outro texto.
Você deve estudar integralmente ou na maior parte do tempo através de testes.
Isso irá gerar mais compreensão e memorização, com menos tempo de estudo, e de simultaneamente autoconhecimento: ficará explícito o que você sabe e o que não sabe, evitando autoengano, e otimizando seu tempo de estudo para aqueles assuntos que você ainda não tem maestria.
Feedback imediato e elaborado
O efeito dos testes sobre a memorização NÃO precisa de feedback — Esse achado pode ser surpreendente. Responder flashcards ou questões de residência sem sequer ver a resposta por si só é muito mais eficaz do que métodos passivos, como assistir a aulas ou ler livros (mesmo que envolva grifar e elaborar resumos).
Porém, o feedback torna o efeito do teste ainda mais poderoso — Quando você entende se errou ou acertou e a razão por trás disso, a compreensão em si fortalece a memorização e, inversamente, evita que você por engano decore fatos errados.
O ideal é o feedback imediato (i.e., logo após você fazer o teste, e não horas ou dias depois) e elaborado (i.e., com informações suficientes para você entender o porquê errou ou acertou, gerando insight).
A qualidade do conteúdo importa. A Osler nasceu e explodiu pela qualidade dos cards: a pergunta bem colocada, a resposta curta, e o comentário que te permite entender com insight a razão por trás. E é o zelo que agora estamos levando para o qBank.
Rememorar (Active recall)
Existe uma diferença entre lembrar e reconhecer — O efeito de teste sobre o aprendizado é ainda mais intenso quando você precisa lembrar do fato, ou seja, esforçar-se para reproduzir a informação na sua consciência, com o mínimo de dicas possível.
Qual o nome dos os sócios da Osler?
Pause por um minuto e tente lembrar-se. Isso é active recall. É difícil e ficará bem claro se você sabe ou não.
(Realmente tente)
Por outro lado, se eu te perguntar:
“Qual dos abaixo não é sócio da Osler?
Vittorio
Gianluca
Balby
Domenico”
Você só precisa reconhecer quais os fatos corretos/incorretos. É a diferença entre lembrar como é um lugar do zero versus, passando por ele, perceber que “já estive aqui”.
Questões de múltipla escolha te dão alternativas e você precisa ou reconhecer os fatos corretos dos incorretos. São muito mais fáceis e, assim, menos eficazes, que flashcards.
Mesmo que você falhe, a tentativa sem sucesso de rememorar fortalece a memória em tentativas futuras.
A resposta é (D). Caso você seja novo aqui e tenha interesse em saber mais sobre nós acesse o instagram @oslermedicina. Esporadicamente aparecemos por lá.
Aprendizado é mais robusto quando você precisa lembrar do conhecimento (active recall, rememorar) e raciocinar a respeito ao invés de reconhecer a alternativa correta e/ou excluir as erradas. Prefira estudar com flashcards ao invés de questões.
Revisão & Revisão Espaçada
Não importa o quão bom seja seu método de estudos ou magnífica sua inteligência: você vai esquecer — Dê tempo suficiente e mesmo aquele fato muito bem aprendido, com vínculo emocional, múltiplas repetições, e cimentado na sua inteligência de médico será esquecido.
Particularmente, na medicina, o volume de informações, o curto tempo para aprendê-las, as mudanças frequentes, e a necessidade de lembrar para aplicar na vida ou em provas torna a revisão uma obrigatoriedade.
Revisar sistematicamente, na frequência correta — O desafio é como incorporar as repetições no seu método de estudos, garantindo que você revisará todos os temas, mas nem em excesso e nem em falta.
Pois, considere, uma solução à força bruta seria revisar todos os temas, todos os dias — o que claramente não seria possível pelo volume de trabalho, configurando revisar em excesso.
Inversamente, revisar os temas só duas vezes por ano seria factível, mas haverá grande probabilidade de você esquecer entre essas revisões, e não conseguri lembrar justamente para a prova ou quando precisar usar — configurando revisar menos que o necessário.
Não suficiente, a frequência de revisão deveria ser variável à sua facilidade com o tema. Revisar menos os assuntos que você sabe bem, e revisar mais os que tem dificuldade e erra com frequência.
Sistema de Revisão Espaçada — Sistemas de revisão espaçada (SRS) é uma metodologia de organização de revisão otimizada, que garante que você tenha até 95% de memorização, baseando nos princípios abaixo.
O esquecimento é um decaimento exponencial. Após a primeira exposição, você esquece muito rapidamente, e em poucos dias mal lembrará 10%.
Cada revisão atenua o decaimento. Cada vez que você revisa um assunto, o esquecimento a partir daí ocorre de modo menos acelerado.
O intervalo entre revisões aumenta exponencialmente. Ou seja, em linhas gerais: a 1ª revisão é após 1 dia → a 2ª após 4 dias → a 3ª após 16 dias → e assim sucessivamente.
A metacognição modula a variação dos intervalos entre as revisões. Se você não lembrou, o próximo intervalo precisa ser menor. Se lembrou com facilidade, ele pode ser maior que o previsto.
É impossível implementar revisõa espaçada com papel e caneta, isso precisa ser feito por um computador. Na Osler, usamos o mesmo algoritmo do Anki, o FSRS. Você pode ler mais a respeito de repetição espaçada aqui.
Além disso, revisão espaçada só funciona com flashcards. Mas temos uma metodologia própria para revisão de questões, e você pode ler a respeito dela.
Rever é repetir — A rigor, o termo técnico é “Spaced Repetiton System”, ou seja, Sistema de Repetição Espaçada, mas usar "revisão" é mais natural no contexto brasileiro de estudos e, no fundo, revisar é repetir.
O uso de algoritmos de repetição espaçada garante a revisão otimizada: até 95% de memorização, com o menor tempo de estudo possível.
Priming
Testar-se antes de estudar aumenta a retenção posterior — Contra-intuitivamente, responder a flashcards ou questões sobre um tema que você ainda NÃO estudou — mesmo às custas de errar a maioria desses testes — melhora significativamente o aprendizado quando você estudar o material depois.
O erro ativa o cérebro para a correção — Quando você tenta responder qual nervo passa pelo forame espinhoso e erra, seu cérebro fica "sensibilizado" para essa informação. Ao encontrar a resposta correta (artéria meníngea média), a consolidação é mais forte do que se você tivesse apenas lido passivamente.
Estudo passivo, além de curto, deve ser após testes. Se você vai ler um livro ou assistir uma vídeoaula, tudo bem, desde que (1) ocupe a menor parte do tempo e (2) você faça testes antes e depois.
Prática Intervalada
Alternar entre assuntos é melhor do que ficar estudando a mesma coisa — Estudar cardiologia por 2h seguidas parece eficiente, mas misturar cardio + nefro + endócrino na mesma sessão gera retenção superior, por dois mecanismos:
Você naturalmente faz distinções e correlações, reconhecendo as diferenças e similaridades entre assuntos, de modo que fortalece o entendimento e a memória
Fica mais difícil porque você precisa alternar continuamente o contexto, e a dificuldade em si gera retenção
Nas revisões, favoreça misturar os temas. Na primeira exposição a um assunto, é melhor ver só ele e na ordem didática esperada. Mas as revisões são o momento ideal para você misturar assuntos, tanto quanto possível. A plataforma permita você configurar isso.
Dificuldade desejada (Desirable difficulty)
Condições que dificultam o aprendizado aumentam a retenção — A psicologia (Bjork, 1994) demonstrou o que pode ser um aparente paradoxo: maior espaçamento, menor previsibilidade, ausência de dicas — tudo que torna o estudo mais difícil agora resulta em memórias mais duradouras. O mecanismo: maior ativação do hipocampo durante recuperação “effortful” → potenciação de longo prazo mais robusta.
Mas isso sua avó já sabia — No geral, o que tem mais valor é mais difícil.
Se você quer ficar forte, é melhor levantar um peso rosa de 2kg ou um peso que te desafia, dói o braço, e dá certo desespero?
Se você quer ser um especialista exímio, é melhor fazer uma pós-graduação de finais de semana, ou uma residência de 3 anos em uma instituição de excelência?
Estudo mais eficaz é também o mais desconfortavel. Se está fácil demais, não vai dar certo.
Como implementar tudo isso?
Na Osler, você estuda primariamente com testes, incluindo flashcards e questões de residência. A revisão dos flashcards são organizados pelo FSRS-6, e a das questões por metodologia própria. Além disso, trazemos conteúdo de qualidade, insight, multimídia, operacionalizando o seu estudo do começo a um fim, em uma plataforma que você pode confiar e já gerou centenas de aprovados.
Único porém é que, não, não vai ser fácil.